MANIFESTO
XVIII°XI
No tempo em que o próprio tempo deixou de existir, mas não de ser real, apenas de estar fora. No tempo sem o tempo, eu, cujas vísceras sempre fizeram questão de lembrar a vida através da dor, seja por cólicas provocadas por pólipos no cólon, refluxos ou esofagites, nesse tempo, em tempo, como em um extispício etrusco, eu arúspice de mim, sentado sobre um dos tronos de porcelana da civilização ocidental, recebi um presente de minhas vísceras, através de uma excreção. Uma revelação. Uma centelha mágica nos resíduos de alimentos não digeridos por meu corpo físico. O tempo real, não o que deixou de existir, datando o sétimo dia, ou sete eras, ou sete kalpas, da expiração da última torre das sete torres responsáveis pelo firmamento e fundamento da torre em edificação que eu sou, uma revelação: dezoito onze.
Dezoito. Os obstáculos estão todos na minha mente. A Lua.
Onze. A sensibilidade está na busca criativa. A Força.
Dezoito. Onze.
É preciso desbanalizar o banal. Para que o louco alcance a transubstanciação, primeiro deve renascer como bruxo de si mesmo.
Para tanto, é preciso de um sacrifício.
Por dez anos, uma das sete faces do meu diamante foi a face do poeta.
Um manifesto setempartido para anunciar a morte daquele que fazia poesia e o renascimento do bruxo:
I – Arte em chamas. Posto que a criação devora tudo. A palavra escrita é fogo e aqueles que a operam não passam de galhos secos.
II – Buscar na palavra escrita o verbo derradeiro. Um símbolo para-abstrato, acromático, que não funcione apenas como ferramenta para objetivar minhas subjetividades, mas, também, que funcione como mônada para uma bruxaria insurgente.
III – A bruxaria que se produz através do texto deve ser tanto popular quanto imperscrutável. Através da apropriação: da ressignificação: da manipulação indiscriminada da palavra, socializar o conhecimento na forma de livro.
IV – O meu texto como uma espécie de Cristo. No sentido de que o que escrevo é tão meu quanto Cristo o é de João, Mateus, Marcos ou Lucas. Todo ritual exige sacrifício. A intransigência do galho seco cede à indulgência do fogo.
V – Saber é mais importante do que acreditar. Ler é muito mais importante do que escrever. Não me entristeço por aquilo que ainda não li, contudo, não escapo da consternação por aquilo que ignorarei para sempre.
VI – Pertenço ao conjunto das pessoas que exercem qualquer tipo de trabalho: o proletariado. Vinte mil palavras escritas não valem mais que um tijolo cimentado no muro. A bruxaria que se produz através do texto deve se sustentar na imagem da bruxa do vilarejo, ou do pajé, aqueles que socializam o conhecimento, e não na imagem daqueles que o ocultam. Esoterismo somente no gosto das lágrimas daqueles que não fecham os olhos para o mundo.
VII – A minha incumbência é desaparecer enquanto escrevo, até sobrar nada mais que o povo, os trabalhadores, transmutados no verbo. Escrever e produzir como se não existisse o capitalismo. Tenho a consciência de que estou sob um regime capitalista, mas não sou o regime capitalista. Sou o galho seco que alimenta as chamas. Chamas que podem não provocar uma revolução exterior nesta vida, mas são a revolução em mim. Fogo que queima minhas futuras poesias em prol de uma perene bruxaria. Morre o poeta. Renasce o Bruxo. Sob a Lua, que todos possam encontrar a Força. A Força que transforma e liberta e jamais subjuga e estratifica.